Com a dimensão digital cada vez mais necessária nas nossas vidas e tendo a pandemia impulsionado o uso dos meios digitais até por aqueles que eram mais resistentes, urge regulamentar tal uso, salvaguardando os Princípios Fundamentais de Direito, e em especial, os Direitos Humanos.
Quando falamos em Direitos Humanos neste contexto, falamos em sobretudo da Liberdade de Expressão e da Privacidade.
Em contexto digital é primordial que ao serem usados os mecanismos e plataformas existentes que tais Direitos sejam salvaguardados por quem disponibiliza tais serviços e produtos.
A todos os que acedem, usem, criem e publiquem em qualquer meio digital devem ser garantidos tais Direitos.
Por outro lado, e não menos importante é existirem mecanismos que assegurem o combate às desigualdades no acesso à internet e que se efective o direito de livre acesso àquela por parte de todos os cidadãos.
Nas conclusões da Cimeira Mundial sobre a Sociedade de Informação o Secretário-Geral da ONU, Senhor Eng. António Guterres, em 1 de Março de 2018, sublinhou a urgência em combater as desigualdades que as novas tecnologias trazem, nomeadamente no meio laboral, entre países (mais ricos e mais pobres), entre sexos, … devendo sempre estas novas tecnologias garantir o respeito e implementação dos Direitos Humanos nas mesmas.
Também defendeu o mencionado Senhor Secretário-Geral, que as novas tecnologias devem ser usadas na óptica de ajuda a uma implementação cada vez maior no respeito e difusão dos Direitos Humanos e que nunca quem não utiliza os mecanismos digitais, pode estar vedado do exercício de qualquer direito sob pena de uma clara violação de Direitos Fundamentais de qualquer cidadão.
Nesta sequência, em 2018, Senhor Secretário-Geral da ONU, anunciou a criação de um Painel de Alto Nível sobre Cooperação Digital, cujo objectivo principal é a sensibilização para o impacto transformativo das tecnologias digitais na sociedade e contribuir para um diálogo global mais amplo, sobre como abordagens interdisciplinares e cooperativas podem ajudar a garantir um futuro digital seguro e inclusivo para todos.
Tal painel é composto por várias entidades e pessoas singulares, sendo que Melinda Gates, Vice-Presidente da Fundação Bill & Melinda Gates, e Jack Ma, presidente do Grupo Alibaba, são os respectivos coordenadores.
Em Junho de 2019, o Painel acima referido, publicou o relatório “A Era da Interdependência Digital”, onde constam várias recomendações para melhorar a cooperação digital, assim como foram lançadas várias consultas públicas à sociedade civil acerca desta matéria. Num capítulo próprio foi examinado o impacto das mudanças tecnológicas no universo dos Direitos Humanos sendo preconizadas diversas recomendações.
Entretanto, foi publicada em Diário da República a Lei n.º 27/2021, de 17 de Maio, que aprovou a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. Tal documento (envolvido nalguma polémica) prevê os Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos no ciberespaço, sendo enunciados vários direitos como sejam os de: “ao esquecimento“, à protecção contra geolocalização abusiva, ao desenvolvimento de competências digitais, ou ainda o direito de reunião, manifestação, associação e participação em ambiente digital.
Relativamente à regulamentação a própria Carta prescreve que cabe à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) receber todas e quaisquer queixas em casos de desinformação, e assim sendo, deverá aquele organismo ser dotado de meios para o efeito, uma vez que hoje, a própria legislação ali constante deveria ser actualizada face a necessidades de regulamentação (inexistentes).
Esta Carta, consagra, além outros direitos, e na sequência do que já foi referido por Instâncias Europeias, e que muito se tem falado através do RGPD (Regulamento Geral de Protecção de Dados), no “direito ao esquecimento“, podendo, para tal, solicitar o apoio do Estado; ora, estando aqui interesses legalmente protegidos e Direitos Fundamentais a ser potencialmente violados, deveria também a referida Carta mencionar que nestes casos, e até pela complexidade do tema para muitos desconhecida, a obrigatoriedade de constituição de Advogado em todo e qualquer processo que envolva potenciais violações de tais Direitos.
Por fim, refira-se que, embora o Presidente da República tenha decidido submeter a fiscalização sucessiva de Constitucionalidade, o disposto no artigo 6º da Lei nº 27/2021, de 17 de Maio, que aprovou a Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital, será importante que tal artigo seja de facto claro, preciso e que os conceitos sejam o mais objectivos possíveis, atendendo à especificidade da matéria em causa e em respeito pelos Direitos Humanos e Fundamentais, que nunca devem ser preteridos em função da tecnologia mesmo quando esta é fulcral na nossa vida do quotidiano.